Nossa segunda entrevista foi feita com a professora Riviane Medino Rocha, formada em Letras Português/Francês na Unesp-Assis e mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP. Ela gentilmente se dispôs a responder nosso questionário, falando sobre como abordou o tema com seus alunos do CEL, a maioria ainda em idade escolar, e também opinou sobre os assuntos que englobam as questões da liberdade do jornal.
Blog: Como professora de francês, você percebeu alguma reação dos seus alunos ao atentado contra o jornal Charlie Hebdo? Se sim, como foi essa reação?
Riviane: O atentado foi em Janeiro – período em que os alunos estavam em férias – e o afã da notícia já havia esfriado um pouco em fevereiro – mês que dá iniciou ao ano letivo – por isso os alunos não fizeram comentários. Todavia, eu pus o atentado de Charlie Hebdo em discussão, pois eles sabiam da notícia, só não recordavam mais.
Blog: Você chegou a comentar esse assunto em sala de aula? Como foi?
Riviane: Eu fiz uma primeira provocação a respeito do que é, ou não, liberdade de expressão. E esse questionamento foi o estopim de um grande debate que perpetuou até o final da aula, pois vieram outras observações a respeito da imigração, o porquê dela, o Islã, o ódio... Todavia, teve perguntas em sala que eu achei muito interessantes, pois algumas opiniões foram colocadas “em xeque”, como por exemplo, se julgamento do atentado foi certo ou errado, que fez com que os alunos, instintivamente, levassem em consideração a concepção do Islã no mundo Ocidental ou no Oriental. Depois, fomos parar no sentido da Morte para o Cristianismo e para o Islamismo. Entre tantos aspectos que abordamos, os que mais me impactaram foram estes citados. No final da aula, percebemos que não chegamos a respostas concretas e certezas. No que se refere à ação do atentado, independente de qualquer fator motivador, todos nós fomos contra, ou seja, o atentado pode ser entendido, ao levarmos em consideração o mundo e a religião árabe, porém não pode ser justificado.
Blog: Na sua opinião, que outras discussões poderiam ser trazidas pelo atentado além das voltadas para a liberdade de expressão?
Riviane: Pergunta interessante! Sou professora de Letras, mas sou diferente da maioria de meus colegas, pois gosto de comprar revistas de sociologia e filosofia. Em minhas aula sempre provoco e fomento discussões a respeito de temas que façam os alunos raciocinarem e saírem do senso comum, porém deixo bem claro que fazemos isso não para impormos nossas ideias, mas para compreendermos o pensamento alheio. Nesses casos, sempre dou ênfase de que façamos uso da liberdade de expressão que temos desde que o façamos com respeito. Às vezes, os próprios alunos me provocam porque eles sabem que tenho um “ar” questionador. (risos)
Blog: Você acha que a tensão criada entre árabes e franceses no começo do ano já diminuiu? Você vê uma razão para isso?
Riviane: Em primeiro lugar – não; em segundo lugar, devemos pensar de que árabe estamos falando. Logo, gostaria de dizer que há dois problemas distintos – a imigração dos árabes e a questão do islã na França. O atentado do Charlie Hebdo foi uma consequência de uma visão religiosa distorcia, doentia e fanática – na visão Ocidental.
A respeito da liberdade de imprensa, penso que o jornal, infelizmente, não soube utilizar a liberdade de expressão que ele mesmo defendia. O jornal Charlie Hebdo por muito tempo se dispôs a produzir charges preconceituosas e agressivas às várias religiões, principalmente, ao Cristianismo, ao Judaísmo e ao Islamismos. Por isso, não vou usar o termo “islamofobia” como muitos críticos tem se utilizado. Acho patético, dizermos que o jornal Charlie Hebdo era islamofóbico, pois seria o mesmo que dizer que só os muçulmanos foram ofendidos e que só eles sofreram e sofrem perseguições religiosas. Então, o que dizer dos cristãos árabes assassinados aos montes pelo ISIS na Síria e dos cristãos assassinados em outros país?
Eu amo charges e sátiras, acompanhei algumas do Charlie Hebdo e fiquei chocada. O humor é um gênero literário perigoso, caso não saibamos utilizá-lo com moderação. Logo, quando fazemos mau uso desses gêneros ou por ignorância ou por intencionalidade, podemos tornar seu conteúdo ridículo, desprezível ou mesmo preconceituoso.
Por outro lado, temos a questão da imigração árabe que não necessariamente tenha que ser mulçumana. Temos o um conceito errôneo de acharmos que todo o árabe é mulçumano. Isso é ignorância, preconceito e sectarismo. Então, um israelita tem que ser judeu? Um negro tem que ser umbandista? Um americano tem que ser cristão? Infelizmente, existem muitas pessoas acadêmicas que pensam assim. E, isso é muito ruim, pois se formos pensar a fundo, perceberemos que esses pensamentos rasos são as bases do preconceito e do racismo.
Blog: Para você, qual a reflexão de mais importância tirada desse contexto do Charlie Hebdo, não só pela comunidade francesa mas de maneira global?
Riviane: A sociedade francesa é excludente em relação aos imigrantes, principalmente, os de origem árabe muçulmanos ou não. O jornal Charlie Hebdo não foi vítima de jovens árabes muçulmanos e sim de árabes muçulmanos fanáticos. Logo, uma coisa é ser árabe, ou coisa é ser muçulmano e outra coisa é ser fanático; se não soubermos perceber essas nuanças, estaremos cometendo o erro do preconceito racial e religioso. Eu penso muito a respeito dos preconceitos, da liberdade, da democracia e peço aos meus alunos que pensem também, para que eles não cometam erros em seus julgamentos.